quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Restauração de olhos de vidro

Nas esculturas mineiras em madeira policromada dos séculos XVIII e XIX  os olhos de vidro são bastante utilizados, seja nas imagens de talha inteira, articuladas, de vestir ou de roca.  Seu uso tinha por objetivo aproximar-se do realismo do olho humano, já que o vidro colorido apresenta o brilho e translucidez necessárias à esta tarefa.

Não muito raro, nos deparamos com alguma imagem cujo olho de vidro apresenta algum grau de deterioração, estando parcial ou totalmente perdido. Nas imagens devocionais a reconstituição dos olhos é justificada por considerarmos o "olhar" um aspecto importante da comunicação do fiel com a imagem.
Nossa pesquisa teve início com a restauração da imagem de São Benedito de Palermo, da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, de Mariana/MG, em 1994. Algum tempo depois, realizamos a restauração dos olhos da imagem de Nossa Senhora da Conceição, da igreja matriz de Sabará/MG. As duas restaurações foram realizadas no Cecor - Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis/Escola de Belas Artes/UFMG.
São Benedito de Palermo,
Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Mariana/MG


Foto antes e depois da restauração do olho




A técnica desenvolvida para a restauração dos olhos dessas imagens foi apresentada no VIII Congresso da ABRACOR, em 1996, constando em seus  Anais. De lá pra cá, surgiram outros casos semelhantes cujas restaurações realizamos ou tivemos a oportunidade de acompanhar, enriquecendo nosso conhecimento neste assunto.

Pesquisamos os materiais possíveis de serem utilizados para esta restauração, que deveriam permitir um bom acabamento, oferecer uma textura lisa, possibilitar uma adaptação à cor e brilho desejados e ser reversível. Encontramos materiais odontológicos que respondiam à essas necessidades: o alginato para realização dos moldes e a resina acrílica auto polimerizante JET, para a confecção dos olhos.


Dois tipos de casos se apresentaram à nós: 
  • Perda parcial de um dos olhos - com perda da área da esclerótica (parte branca), mas com a preservação parcial ou completa da íris e pupila;
  • Perda total de um dos olhos. 
Em todos os casos, o corte facil para colocação dos olhos estava intacto, com a policromia também em bom estado. Portanto a intervenção deveria ser efetuada pelo orifício externo dos olhos.
Com a prática, fomos modificando o método utilizado. Descreveremos aqui cada passo do processo, comentando os resultados obtidos.






1. A curvatura do olho.

O primeiro passo para a reconstituição do olho é obtermos a curvatura da órbita ocular. Utilizamos dois métodos:
  • Quando a imagem é simétrica, fazemos um molde do olho que está íntegro, executando depois os acertos necessários para o encaixe perfeito do olho.
  • No caso de imagens que apresentam distorções entre um olho e outro, é mais prático fazer o molde diretamente sobre o vão do olho perdido. Para isso é necessário preencher esse vão com algodão (ou material semelhante), para que o material do molde não penetre mais que o necessário. 
(Esse método foi empregado por Suzana Mattoso na restauração do olho do Menino  Jesus, de uma imagem de Santo Antônio, da Matriz  de Santo Antônio de Santa Bárbara/MG).
Com esse primeiro molde obtemos a forma negativa do olho. A partir dela, construímos uma forma positiva que servirá de suporte para a confecção de um novo olho, de resina.
O processo para obtenção da curvatura do olho a ser reconstituído foi o seguinte:
  1. Isolamos a área do olho que servirá de modelo para tirar o molde - o molde deverá abranger a pálpebra. No São Benedito  utilizamos o filme de P.V.C. e na Nossa Senhora da Conceição, o verniz de PARALOID B72 em xilol a 10%. O segundo resultado foi o melhor.

  2. Sobre a área isolada, utilizamos o Alginato para fazer o molde. Essa massa foi colocada com o auxílio de um suporte, rapidamente sobre a área do olho, pois o processo de endurecimento é rápido - uma mudança de coloração permite o acompanhamento deste processo de geleificação.

    Em casos mais recentes, usamos o silicone SILON D, material de textura mais lisa, melhor qualidade e durabilidade que o Alginato, porém de custo superior a este.
     
  3. Sobre o molde negativo, aplicamos gesso para construirmos a fôrma positiva deste olho.
  4. A seguir, desbastamos na fôrma de gesso a área da pálpebra (conforme indica a seta da figura abaixo), para conseguirmos uma área maior da curvatura do olho.
 

Neste momento é interessante que se façam quantos acertos forem necessários à essa fôrma de gesso, pois na resina final esses acertos serão mais trabalhosos.

Já tendo feito o desbaste das pálpebras,  recortamos o gesso para servir de modelo para experimentações diretas no vão do olho. Seu formato deveria permitir sua introdução no orifício da pálpebra; para isto, optamos por uma forma em calota. Fixamos na forma em gesso um cordão para manipulá-lo, introduzindo-o no vão do olho, checando a curvatura e realizando nele todos os acertos necessários.

Tendo conseguido a curvatura ideal,  esse molde positivo em gesso foi utilizado como suporte para a forma definitiva em resina acrílica. Em trabalhos mais recentes, acrescentamos mais uma etapa: sendo feito outro molde negativo da forma, já com a curvatura correta, e a seguir tiramos o positivo em resina. Há duas vantagens nesse procedimento: o produto final em resina tem seu contorno mais definido e na parte da frente a calota terá uma textura lisa, ficando as irregularidades na parte interna - o que facilita seu acabamento.

Moldes de gesso (fôrma e forma) e réplica do olho em forma de calota - da imagem de Santo Antônio.

2. A confecção do olho em resina.
 

Nos casos em que pudemos conservar a íris original,  reconstituímos a esclerótica, que se encontrava praticamente perdida.  Para o posicionamento,  tínhamos como referência o olho que se encontrava em boas condições.

O processo para a confecção do olho em resina foi o seguinte:
  1.  Para que a resina se desprendesse com facilidade do gesso, este foi isolado com uma camada de sabão ou vaselina.
  2. Utilizamos a resina acrílica auto polimerizante JET (líquido e pó)

    Como a resina é transparente, nas primeiras experiências,  misturamos ao pó da resina os pigmentos branco de titânio, azul cerúleo e ocre claro, num almofariz, para obtermos o tom da esclerótica original. Depois fomos  acrescentando o líquido catalisador e aplicamos uma primeira camada sobre a fôrma. A seguir, fixamos a íris original com PRIMAL, sobre esta primeira camada e aplicamos uma segunda camada de resina ao nível da íris.

    Nas experiências posteriores, trabalhamos com a resina pura e depois aplicamos uma camada de tinta para obter a cor da esclerótica. Esse processo é mais prático e os resultados foram bons. Utilizamos  a tinta a base de pigmento/verniz, da Maimeri.

    Nos casos em que não havia ou não foi possível aproveitar a íris original, reproduzimos a íris também com o pigmento/verniz, da Maimeri. Se for necessário reproduzir o relevo da área da córnea, ao final damos um pingo de verniz de
    PARALOID (espesso) sobre a pupila, deixando-o acomodar espontaneamente e secar.
  3. O acabamento da  resina foi feito com lixa d' água n° 400 e 600 e lixas metalográficas.

 3. A colocação e fixação do olho reconstituído.
Após a remoção do cordão e limpeza do adesivo, aplicamos o verniz de PARALOID B72 a 10% em xilol para igualar o brilho da esclerótica original. 

  1. Foi fixada à calota  um cordão de algodão, para que depois de introduzida na órbita ocular, esta fosse içada. Para sua fixação definitiva, foi aplicado o adesivo acetato de polivinila (PVA) na pálpebra (lado interno). A calota foi puxada, mantendo uma força até a pega do adesivo.
  2. Após a remoção do cordão e limpeza do adesivo, aplicamos o verniz de PARALOID B72 a 10% em xilol para igualar o brilho da esclerótica original.
   
 Agradecimentos: Gilca Flores de Medeiro, Eliane Monte.

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