quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Obras em tela encolada




Em Minas Gerais encontra-se um grupo curioso de obras: são esculturas cujo suporte é constituído de tecido encolado.
Em vários países da América Latina são encontradas obras que se utilizam do tecido como suporte para a confecção da imaginária, esta técnica é denominada tela encolada. Em países como Peru, Bolívia, Equador e México essa técnica é freqüente.


“Pero de todos estos expedientes a que supieron los escultores quiteños en sus imágenes, ninguno hay más curioso que el de los vestidos, ejecutados en tela endurecida.  Principalmente en la época en que el barroquismo invadío el sentimiento del escultor quiteño, éste (...) recurrió al expediente de cubrir la estatua de tela gruesa engomada o encolada con la cual conseguía mediante poco trabajo, efectos maravillosamente pintorescos en los mantos y vestidos.  Luego que la tela endurecía completamente, con la sequedad de la cola, iba el artista cubriéndola de yeso y de pintura en cantidad suficiente para dar la apariencia de madera.” (NAVARRO, 1960)
Nossa Senhora do Parto, Igreja de NS das Mercês, Tiradentes/MG.
Nossa Senhora do Parto

Primeira obra em tela encolada, deste grupo, a ser restaurada -  em 1994/95, por Gilca Flores de Medeiros.
No Brasil, porém, a grande maioria da imaginária até o século XIX tinham como suporte a madeira. O tecido empregado como suporte para feitura de obras escultóricas é um caso raro em nosso país.

E
m Minas Gerais encontramos alguns exemplares com tecnologia semelhante. Mas, apesar de partirem do mesmo princípio - a utilização do tecido encolado como suporte - os artistas brasileiros criaram  uma nova maneira de trabalhar a técnica.

E
sse grupo de obras mineiras, que vem sendo estudadas pelas autoras, é desconhecido pela maioria das pessoas, inclusive profissionais da área de conservação e restauração ou historiadores da arte.  Nosso trabalho de pesquisa visa conhecer as imagens existentes em Minas Gerais, seus materiais e técnica construtiva, sua localização na história da arte, visando estabelecer meios mais adequados para a conservação das mesmas.

Identificação e localização das obras

Em nossa pesquisa já localizamos um grupo de vinte e uma  peças com a tecnologia estudada, todas em Minas Gerais.

A
penas duas obras apresentam documentos que atestam sua autoria, são elas: 
 

  • São Joaquim - cuja feitura foi realizada por Rodrigo Francisco, em 1753; (foto ao lado) 
  • Nossa Senhora do Parto, cujo pagamento pela policromia foi feito à Jerônimo José de Vasconcelos, em 1830.(foto acima)


Conforme pode-se notar na comparação das duas imagens de São Sebastião (fotos ao lado), observamos uma disparidade de qualidade entre as obras, havendo algumas de excelente qualidade, enquanto outras são de feitio bem popular, o que determina a participação de diferentes artistas na execução deste grupo de imagens. 

Nossa pesquisa está em processo. Iniciaremos agora um estudo comparativo, buscando reconhecer através de análises formais e estilísticas, bem como da tecnologia, semelhanças entre as peças que nos permitam determinar atribuições quanto à feitura e policromia. 



 
  
Tecnologia de construção

O
grupo de imagens estudadas tem como característica em comum o uso do tecido como suporte.  Porém, quanto à forma há diferenças entre essas obras que nos permite dividi-las em subgrupos: imagem de vulto, cabeças e medalhões.  Embora não tenhamos ainda condições de determinar com precisão a tecnologia utilizada na feitura de cada uma das obras encontradas, sabemos que dentre as imagens de vulto, duas parecem possuir estrutura interna em madeira, tendo apenas o panejamento feito em tela encolada.

U
m conhecimento mais completo obtivemos com as obras que já foram restauradas. Elas nos dão informações bastante interessantes a respeito da tecnologia empregada.  São quatro as obras já restauradas, todas no CECOR - Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis/EBA/UFMG. A primeira imagem, de Nossa Senhora do Parto (foto na parte superior desta página), foi restaurada por Gilca Flores de Medeiros, como bolsista em projeto da Vitae/Cecor,  em 1994/95, e deu  início a pesquisa dessa obras.

A
segunda imagem, de São João Evangelista (ao lado), foi restaurada, em 1998, por Eliane Monte, como trabalho final no curso de Especialização em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis/EBA/UFMG. Iniciou-se aí a parceria das autoras na investigação desse grupo de obras.

E
m 2000/01, dois medalhões, do município de Mariana/MG, foram restaurados por Sirlei Schmitt de Toledo, também como trabalho final no mesmo curso de Especialização.

A
literatura apresenta as imagens em tela encolada de outros países latinos sendo confeccionadas a partir de um suporte rígido,  feito com a medula da caña de maíz, seguindo técnica indígena, sendo esse suporte revestido com tecido encolado e depois policromado. Já as imagens de Nossa Senhora do Parto e a cabeça do São João Evangelista têm o interior oco, com a forma sendo constituída apenas pelos tecidos sobrepostos e encolados.  Pelos resquícios de argila encontrados no interior de ambas as imagens, supomos ter sido este o material inicialmente usado como base para a moldagem dos tecidos, sendo dispensado após o enrijecimento resultante da encolagem, ficando oca a forma moldada em tecido. Na parte interna foi aplicada uma mistura de cera-resina proporcionando maior resistência à peça.

Os medalhões se diferenciam por apresentarem também a utilização de papel machê na modelagem dos relevos.


Esquema da confecção da cabeça do São João Evangelista, que exemplifica a técnica das imagens em tela encolada.
 

Sobre a forma modelada em argila (FIG.1), eram colocados os pedaços de tecidos encolados, em várias camadas (FIG.2).
Há variação na quantidade de camadas, tendo sido observado até cinco camadas. Quanto a qualidade, os  tecidos também apresentam
variações, sendo mais espesso e com trama mais aberta na parte interior, chegando a um tecido bem fino, de trama delicada na superfície (principalmente nas áreas de carnação).






Detalhe do pé do Menino da Nossa Senhora do Parto.
Sob várias camadas de tecido, encontramos ainda resquícios da argila
utilizada como molde inicial
.


 
 

Após a secagem do tecido encolado (FIG.3), essa forma em tecido era removida de sobre a argila. Para garantir o enrijecimento do tecido, a área interna recebiam uma mistura de cera e resina (FIG.4). Por fim, a obra recebia base de preparação, douramento e policromia,  tal qual uma escultura em madeira.



 

Área interna da Nossa Senhora do Parto (esq.) e do São João Evangelista (dir.).
 No primeiro caso, áreas mais extensas de perda da cera/resina.
Os cabelos são confeccionados com fibra vegetal, que recebe policromia.


 

As imagens de vulto podem apresentar partes em madeira, como a base e as mãos. As cabeças provavelmente foram feitas para estruturas de roca, porém, dentre elas, apenas no São João Evangelista encontramos essa estrutura ainda  preservada.



Estado de conservação


As imagens apresentam base de preparação, seguida de policromia.  Uma vez que a policromia esteja íntegra, torna-se difícil notar tratar-se de uma obra em tecido.  Essa provavelmente foi uma das causas das deteriorações apresentadas por quase todas as peças: não sendo reconhecidas como obras em tecido policromado, receberam o mesmo tratamento que as obras em madeira.

Ao lado, imagem de Santo Antônio, que supomos ser do mesmo autor da Nossa senhora do Parto (abaixo).

Evidentemente, cada um desses suportes - madeira e tela - se diferenciam na resistência às condições climáticas, impactos, manuseios e transportes.  Uma vez tratadas sob a mesma forma, as imagens em tecido tendem a ser danificadas mais rápida e drasticamente, por serem mais delicadas.


Também a técnica empregada favorece a deterioração: a argila utilizada como apoio à modelagem deixa resquícios no tecido, formando uma interface que impede uma boa aderência da cera/resina. Observamos que, com o tempo e os inadequados cuidados de conservação, ocorrem craquelês e o posterior desprendimento da cera/resina provocando afundamentos, perda de resistência e mesmo da forma da imagem.
Acima, imagem de Nossa Senhora do Parto, no início da restauração, sem o manto. A obra havia sofrido um tombamento devido à perda da cera/resina interna e da policromia. 


Das imagens encontradas, podemos dizer que quase a totalidade delas está ainda em lamentável estado de conservação.  Muitas apresentam fraturas, perdas de policromia e suporte, afundamentos e algumas estão repintadas.



 Agradecimentos: Gilca Flores de Medeiro, Eliane Monte.

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